Crítica: Lovecraft Country

"LOVECRAFT COUNTRY” - 2020

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Um seriado poderoso que se utiliza de forma inteligente a obra de um escritor sabidamente racista para construir um universo de ode a raça negra retratando o racismo real que ocorria no meio do século passado e se arrasta até os dias de hoje. Uma obra que cria um paralelo entre o horror cósmico de Lovecraft e o horror real do racismo americano.

Na história recheadas de referências, tanto aos contos de Lovecraft como a eventos reais históricos, temos o personagem de Atticus (Jonathan Majors), que viaja da Flórida para Chicago afim de iniciar uma busca pelo seu pai Montrose (Michael Kenneth Williams) que está desaparecido. Atticus um ex-combatente da Guerra da Coréia com traumas e amores do passado, reencontra seu tio George (Courtney B. Vance), que é casado com Hippolyita (Aunjanue Elis) e tem uma filha chamada Diana (Jada Harris). Lembram de mulher maravilha?

George tem como profissão escrever guias de viagens para negros, investigando cidades, bares e pousadas onde negros são bem-vindos. No entanto, nessa empreitada acaba descobrindo muito sobre o racismo vigente no território americano.

Atticus reencontra uma amiga da infância Letitia (Jurnee Smollett), que também retornou para a cidade em busca do acolhimento da irmã Ruby (Wunmi Mosaku), uma cantora que sonha em trabalhar em uma loja de departamentos que só aceita funcionários brancos. Letitia trabalha como fotógrafa freelancer e tem uma disputa familiar com a irmã, por tê-la abandonado cuidando da mãe doente.

Atticus, George e Letitia saem numa jornada em busca de Montrose, todas as pistas indicam que ele está em Ardham, Massachusetts, local que serviu de inspiração para Lovecraft escrever vários de seus contos.

Nessa jornada eles encontram criaturas monstruosas com direitos a cenas grotescas de ultra-violência, universos paralelos, portais de viagem no tempo, espíritos amaldiçoados; todas essas histórias costuradas a uma trama paralela que envolve um clã de feiticeiros brancos que estão em busca do poder ancestral contido no sangue de Atticus.

Cada episódio tem como base um dos contos de Lovecraft, geralmente habitados por criaturas extraterrestres ou monstros vindos de outras dimensões infernais. A série ainda abre espaço para criar referências a mitos do folclore oriental em um episódio garrafa relacionado a época em que Atticus estava servindo na Guerra da Coréia, além de uma pequena homenagem a Indiana Jones, outro dedicado ao empoderamento feminino através do personagem de Hippolyta e o mais grandioso referente ao massacre em Tulsa.

Existem furos no roteiro que tenta relacionar tantos eventos diversos através deste universo de fantasia, no entanto é uma delícia assistir a cada episódio imaginando qual a próxima loucura que será exibida. Uma maravilha ficar imaginando Lovecraft se revirando no túmulo por usarem seus contos para enaltecer a luta contra o racismo. Uma forma muito mais inteligente de ressignificar obras do passado corrigindo injustiças históricas. 

No entanto, o que fica dessa extraordinária série é a grande mensagem que não existe horror maior, seja ele deste mundo ou de outro, do inferno ou de outra dimensão, do que o racismo e o preconceito contra minorias. Seja a discriminação por gênero, cor, orientação sexual, religião ou social, enquanto não nos enxergarmos como iguais e conseguirmos sentir empatia por qualquer ser humano, que esteja aqui ao lado ou do outro lado do mundo, cada um de nós estará contribuindo para aumentar esse muro que nos separa. Levando-nos a pensar somente em nós mesmos ou na bolha que nos cerca e encaminhando-nos para um futuro de auto-destruição. 

O verdadeiro horror não está do outro lado do muro, em outra dimensão, no espaço sideral e nem do outro lado do planeta, está dentro de cada um de nós, enraizado historicamente por uma cultura do medo e da segregação. 


Crítica: Fabio Yamada

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