Crítica: Apocalipse Now

 "APOCALIPSE NOW" - 1979



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Um clássico do cinema americano vencedor de vários óscares e globos de ouro, além da Palma de Ouro em Cannes (dividido com O Tambor de Volker Schlöndorff). 

Tenho que admitir que geralmente torço o nariz para filmes de guerra, quando elas são apenas um pano de fundo para uma história mais relevante, tudo bem. Mas guerra por guerra, soldado matando soldado, soldado resgatando soldado, bomba, tiro e tiroteio. Isso me cansa.

No entanto, o projeto pessoal de Francis Ford Copolla não é exatamente um filme de guerra. Ele transporta a história de "Heart of Darkness" de Joseph Conrad, um escritor de origem ucraniana  para a guerra do Vietnã. A história original versa sobre Marlow, um capitão inglês que trabalhava em uma companhia de comércio belga que foi incumbido de subir o curso do rio no Congo e se embrenhar na selva para poder matar Kurtz, um traficante de marfim que enlouqueceu e começou a monopolizar o comércio do marfim devido sua posição de semideus entre os nativos africanos.

Para além de todos os infortúnios das filmagens do filme, como inundações, destruição de cenários, guerrilhas nas Filipinas, troca do ator protagonista, infarto do novo protagonista, atrasos  intermináveis, orçamento triplicado, chiliques de Marlon Brando e guerra com os produtores dos estúdios da Universal; fatos que por si só já renderam vários documentários. O filme é bom, ele tem seu valor histórico e como experiência cinematográfica. Rendendo algumas das cenas mais espetaculares e memoráveis do cinema de todos os tempos.

O filme não é apenas uma crítica rasgada contra os eventos bélicos, mas também uma discussão sobre a barbárie no processo civilizatório e a civilidade de culturas milenares consideradas bárbaras pelo modo de vida ocidental. 

Seria muita ingenuidade minha, acreditar que o modus operandi dos americanos em criar novas guerras em várias partes do mundo com a desculpa de levar liberdade para um povo oprimido foi gerado por eles. Isto existe desde que o mundo é mundo. Toda grande nação imperialista se utilizou da desculpa de civilizar os bárbaros para justificar uma guerra. A Guerra Santa, a Expansão do Império da Macedônia, os Egípcios, o Império Romano, o Imperialismo Britânico, as Grandes Navegações e a catequização dos povos indígenas e escravidão dos negros africanos.

A história se repete sempre, onde está esse limite, essa é a discussão central do filme. A selva do Congo, do Vietnã, da Amazônia ou das Filipinas, sempre existirão os nativos e um opressor que tenta levar a civilização e o desenvolvimento (pelo menos até o extermínio total dos nativos).

O ponto aqui nessa obra é exatamente quando acontece o processo inverso, quando o dito civilizado torna-se um selvagem ou um bárbaro. Na realidade, numa guerra todos se transformam em bárbaros, todos enlouquecem. É isso que o filme de Copolla mostra com tanta firmeza e veracidade, talvez justamente pelo diretor também ter passado por esse processo de barbarização durante as filmagens.

O civilizado que se apaixona pela barbárie, o Marlow que se apaixona por Kurtz, Willard que se apaixona por Kurtz e o Copolla que se apaixona pelos infortúnios e pela imprevisibilidade da selva.

No filme em si, o capitão Willard (Martin Sheen excelente) está isolado e desolado em um quarto de hotel em Saigon aguardando uma missão. Ele é recrutado para uma missão secreta na qual seu objetivo é subir o rio Nung em uma embarcação discreta, coletar informações, cruzar a fronteira com o Camboja e eliminar o coronel Kurtz que supostamente enlouqueceu e formou um exército paramilitar.

Willard tem como companheiros na embarcação Chef (Frederic Forrest), Lance (Sam Bottoms), Clean (Laurence Fishburne novinho) e Phillips (Albert Hall). Eles passam por diversos postos de abastecimento onde se encontram com personagens peculiares como o coronel Kilgore (Robert Duvall) que destrói todo um vilarejo vietnamita com um bombardeio de Napalm ao som de Die Walküre (Der Ring des Nibelungen) de Wagner com a finalidade de conseguir surfar nas ondas da praia do vilarejo. Personagem dono da célebre frase: "Adoro o cheiro de napalm de manhã”.

Eles se defrontam com uma embarcação vietnamita que termina numa sessão desoladora de extermínio. Se encontram com uma família de colonizadores franceses que se recusam a sair de suas terras. Um posto avançado atacado por forças vietnamitas, onde os soldados sem comando, não sabem o que estão fazendo e nem em quem estão atirando.

Finalmente, após a morte de metade da tripulação, Willard chega seu destino, com direito a uma das mais belas cenas do cinema. Ele, após ser recepcionado por um enlouquecido fotojornalista (Dennis Hopper), finalmente encontra o coronel Kurtz. Os encontros com seu alvo, agora personificado na imagem de um semideus, interpretado por um cansado e rechonchudo Marlon Brando, são recheados de diálogos filosóficos que inundam a atmosfera da caverna milenar (diálogos que hoje sabemos foram todos improvisados, justamente por Brando não ter idéia do que estava fazendo).

Independente de todas as agruras do processo de produção, as improvisações do roteiro e a falta de dinheiro, o resultado é esplendoroso. Um filme polêmico e grandioso de um diretor audacioso e presunçoso que consegue atingir seus objetivos de nos transportar para essa tênue linha na escuridão que separa a civilização da barbárie, mas que cegos como eu nunca sabem exatamente de que lado da linha estão ou estamos.


Crítica por: Fabio Yamada

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