Crítica: Verlust

 "VERLUST" - 2020  

Mais uma produção maravilhosa de Esmir Filho, um filme sobre a necessidade da humanidade de se adaptar frente as intempéries da vida que se utiliza valentemente da persona da maravilhosa cantora Marina como metáfora para compor essa fábula sobre perda e transformação.


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O filme se inicia com um plano sequência lindo que apresenta todos os personagens da trama em uma casa estilosa e asséptica à beira mar. Este prólogo magnífico, mostra Frederica (Andrea Beltrão fantástica) como a empresária implacável, Constantin (Alfredo Castro sempre perfeito) como o marido rejeitado, Tuane (Fernanda Pavanelli) como a musicista impetuosa, João (Ismael Caneppele escritor do roteiro) como um observador provocante e Lenny (Marina Lima comovente) como uma cantora que perdeu sua voz.

Todos estão reunidos provisoriamente nessa casa. João aparentemente está lá para escrever a biografia de Lenny, ele começa entrevistando o casal Frederica/ Constantin. Noite na qual se desenrola um jogo de sedução, onde nunca sabemos quem deseja quem. Fato apontado por sua tatuagem no braço “Verlust" que significa perda em alemão, mas que ele não deixa de lembrar do “lust”, assim sendo, todo desejo impõe uma perda, uma escolha ou uma transformação.

No meio disso tudo, ou melhor nas pontas, temos Tuane que ganhou um bolsa para estudar fora do país, mas que se recusa a viajar por medo de estar seguindo os desejos de sua mãe Frederica. Na outra ponta temos Lenny, uma cantora que precisa se remodelar aos novos tempos, interpretada por uma cantora que perdeu a voz. 

Tudo decorre no final de ano, onde temos uma festa de Reveillon. Na festa recheada por figuras hipócritas que mais parecem manequins de figuração, somos presenteados com a presença androgena de João e com a visita de uma criatura do mar que encalha na praia (assim como as baleias). Enquanto, o jogo de sedução entre João, Frederica e Constantin se desenrola em um plano sequência belíssimo que brinca com as transparências e espelhos, lá fora na praia ninguém se incomoda a presença criatura marinha, encarando-a como mais uma convidada encalhada na areia. A criatura que insiste em emitir seus sons ou pedidos de socorro, que se misturam com a trilha sonora entoada em parte por Tuane, permanece ignorada durante toda a noite. 

Mas o dia nasce e tudo se modifica, Constantin vai embora da casa, Tuane acampa na praia em defesa da criatura marinha, Frederica transa com João e Lenny volta a compor. A casa sofre uma inundação, que hipocritamente simula uma subida da maré que desencalharia a todos, mas não passa de um cano quebrado. Portanto, apesar de todos os acontecimentos, nada na verdade muda. 

O cínico desmonte da criatura marinha traduzido em palavras pelo livro de João/ Ismael ilustra essa nossa incapacidade de abandonar, de se perder e se transformar. Preferimos permanecer encalhados em uma praia, esperando/ desejando que a água que uma vez houvera ao nosso redor retorne para nos carregar. Assim como nenhum personagem do filme jamais mergulha na água, somos incapazes de retornar ao mar apesar desse oceano de oportunidades. 

O filme recheado com uma linda trilha sonora com as canções de Marina termina com o silêncio incomodo de um desenlace, como na música: “E tudo que eu posso te dar - É solidão com vista pro mar - Ou outra coisa pra lembrar”.


Crítica: Fabio Yamada


Esse filme foi um dos selecionados para a 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

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