"GÊNERO, PAN" - 2020
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Um filme belo e duro de Lav Diaz, que através de uma história simples sobre o cotidiano de três homens que vivem uma realidade não muito diferente que a nossa, versa sobre a frustração e impotência do homem frente ao trágico e aparentemente inexorável natureza - gênero da humanidade.
Na história acompanhamos inicialmente três personagens Paulo (Bart Guingona), Baldo (Nanding Josef) e Andrés (Don Melvin Boongaling), que trabalham em garimpos migratórios em ilhas do arquipélago filipino em um regime de semi-escravidão, onde o salário recebido se dilui em taxas e propinas para poder trabalhar, não sobrando o mínimo para a própria subsistência.
Baldo por ser o mais velho e provavelmente por ter conseguido o trabalho para os outros dois, sente-se no direito de cobrar parte de seus salários. Andrés que tem uma irmã doente que necessita de medicamentos, suplica para que Baldo não cobre sua taxa, o que lhe é negado pelo amigo.
Os três originários da mesma ilha Hugaw planejam retornar juntos para suas famílias e tem uma longa jornada a percorrer pelo mar, montanha e floresta. A natureza apesar de exuberante é fotografada em preto-e-branco, talvez para não desviar a atenção do que realmente é importante na história, que é justamente a interação entre três homens.
Um parênteses se faz necessário, a história de ocupação de sua ilha natal e da própria colonização das Filipinas, um país com uma população original composta por povos austronésios, colonizada pelos espanhóis, invadida pelos japoneses, conquistada pelos americanos e que só conseguiu sua independência em 1946. Resumindo, um barril de pólvora cuja religião principal é católica, mas cercado por países muçulmanos, governado a mão de ferro por um ditador militar conservador e sanguinário, aparentemente apoiado pela população.
Após dias caminhando pela floresta, com direitos a alucinações de mitos pagãos, discussões calorosas sobre equilíbrio de poder e missas com rezas comoventes, Andrés chega sozinho ao seu vilarejo. A verdade sobre o destino de Paulo e Baldo nunca é revelada. Andrés relata aos familiares dos desaparecidos uma história relacionada ao passado dos dois, neste ponto do filme a câmera estática no tripé da lugar a uma imagem fluída com a câmera na mão que insinua a intervenção e o relato pessoal e parcial do personagem.
A partir daí somos apresentados a uma série de crimes e assassinatos desencadeados pelo próprio incidente de Andrés, que envolve ações de um psicopata e a negligente conivência da polícia local. Impossível não relacionar a visão pessimista do diretor com a situação política e social de seu país natal.
No entanto, o que fica da história está relacionado tanto ao título do filme, quanto a uma cínica narração em off no meio do filme, que fala sobre o gênero pan. Uma sub-espécie de primatas que serve para designar os chimpanzés e os bonobos, ancestrais do Homo sapiens. Segundo a narração a maioria dos homens tem o cérebro involuindo semelhantes aos cérebros dos tipos pan e que os seres evoluídos seriam os que se utilizam de uma porcentagem maior do cérebro, cujos representantes principais seriam Cristo, Buda, Gandhi e Madre Teresa de Calcutá. Seres incorruptíveis livres das características instintivas e levianas da humanidade.
Na verdade, no decorrer da história, somos levados a acreditar justamente no contrário. Esses personagens trágicos mas imensamente verossímeis, encontram-se enclausurados e sem nenhuma perspectiva de vida, seja pelas limitações morais, religiosas ou culturais. O mundo a nossa volta cria barreiras cada vez mais intransponíveis, das quais a única saída possível se encontra na perda de nossos valores morais e éticos, onde somos levados a nos render e se igualar a maioria ou caminharmos para o abismo. A humanidade não está evoluindo. Nós estamos caminhando em direção ao gênero pan, onde os primatas se multiplicam e os homens estão em extinção.
Crítica por: Fabio Yamada
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