"Boca A Boca” - 2020
Um estupendo seriado brasileiro da Netflix, com uma história atual que discute temas relevantes, apresentando de forma crível a juventude brasileira através de um formato moderno e uma produção elegante e de alto nível.
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A premissa do seriado é simples, uma doença viral mortal começa ser transmitida entre os jovens da cidade através do beijo. Uma história atual (por acaso, o seriado já estava filmado antes da pandemia), mas ao mesmo tempo perigosa, justamente por essa falta de distanciamento histórico que um tema desses precisa para ser discutido.
Numa cidade pequena do interior, cujos os habitantes vivem da produção agrícola, os jovens estudam em uma escola agrícola, comandada a mão de ferro por Guiomar (Denise Fraga fantástica). O recém chegado Chico (Michel Joelsas fantástico de O Ano em que meus Pais Saíram de Férias) participa de uma festa rave no meio da floresta regada á música eletrônica, drogas e sexo.
Chico acaba sendo alvo de desejo de Bel (Luana Nastas), por quem a melhor amiga Fran (Iza Moreira) nutre uma paixão, completando um triângulo amoroso temporário e volátil. Fran acorda no dia seguinte com os gritos de Bel, que se encontra no banheiro com uma mancha negra que escorre por sua boca. Ela tem uma convulsão e acaba sendo hospitalizada.
A partir desse acontecimento, somos apresentados a vários desdobramentos que envolvem os relacionamentos entre os alunos do colégio com disseminação de fake news, teorias conspiratórias, comportamentos preconceituosos misturados com momentos de rebeldia.
Enquanto os jovens se reunem no colégio durante o dia e nas raves durante a noite, os adultos da cidade se encontram na academia e na igreja. As discussões e os medos dos adultos relacionam-se com uma seita misteriosa que ronda a cidade, suscitando associações com o Flautista Mágico ou o filme A Vila.
A sexualidade fluida dos jovens, que se utilizam de aplicativos de encontros e sexo virtual, contrasta com a ausência de afeto e vida emocional dos adultos. O desnivelamento social e sua consequente crítica está presente no arco da personagem Fran e de sua mãe Dalva (Grace Passô grandiosa), que acabam sendo expulsas de suas casas; e também no desencontrado relacionamento amoroso entre Chico e Maurílio (Thomas Aquino surpreendente), faz tudo da fazenda da família Nero.
O núcleo da família de Alex Nero (Caio Horowicz uma surpresa), filho de Doni Nero (Bruno Garcia), é responsável por criar ao mesmo tempo uma crítica ao capitalismo do agronegócio, destruição ambiental e uma provável origem da doença.
As mortes relacionadas a doença misteriosa estão relacionadas a falta de empatia e sentimento causada pelo vírus, as pessoas perdem a vontade de viver. Uma cura temporária está associada a tal seita misteriosa que restabelece o contato do homem com a natureza e sua humanidade.
As cenas de rebeldia adolescente, nas quais os jovens mesmos conscientes da doença e seu meio de transmissão, atiram-se em uma festa hedonista e orgiástica, podem soar como uma gatilho para o descuido com medidas de isolamento atual. No entanto, lembrem-se trata-se de uma ficção que nada tem haver com o COVID, mas que reflete fielmente o comportamento de risco assumido por muitos diante das mais terríveis doenças e vícios de agora e do passado.
Tudo isso embalado por uma trilha sonora fantástica, uma fotografia hipnotizante com seus tons roxos e cores fluorescentes, a cenografia de Goiás Velho e o suporte de um elenco afinado de jovens e velhos talentos.
Esmir Filho tem o talento de captar a essência dessa juventude que aos olhos de alguns parece instável e perdida, mas que consegue expressar de forma fabulosa tudo o que sente. Uma história que se utiliza do microcosmos de uma cidade do interior para falar sobre as mazelas dos grandes centros urbanos e da realidade da social e política brasileira através da metáfora de um vírus que se passa de boca em boca.
Crítica por: Fabio Yamada
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