"CODA - NO RITMO DO CORAÇÃO" - 2021
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Tenho que admitir que na maior parte das vezes realmente tenho o pé atrás com as refilmagens que Hollywood faz de bons filmes em língua estrangeira. Ainda mais tenho horror de como os filmes hollywoodianos costumam abordar filmes sobre personagens com algum tipo de deficiência.
No entanto, esse filme que é uma refilmagem do belo “A Família Bélier” de 2014 consegue acrescentar alguns detalhes sensíveis ao tema e a histórias que realmente conseguem surpreender e emocionar o expectador.
A diretora Sian Heder acerta primorosamente na escolha do elenco, seja na protagonista Ruby (Emilia Jones fantástica) ou pela mãe da personagem Jackie (Marlee Martin fabulosa). Esta última se trata daquela atriz do filme “Filhos do Silêncio” que ganhou o Oscar de melhor performance surpreendendo o mundo e permanece até hoje sendo a única atriz surda e muda a ter vencido tal prêmio.
Ela exigiu, em comum acordo com a diretora, que todos os personagens surdos fossem interpretados por atores realmente surdos. Esse detalhe, além de oferecer maior veracidade a trama e suas performances, permanece em conformidade com a proposta do próprio filme que trás o tema da inclusão e equidade, sem necessariamente ser capacitista.
Os outros personagens da família Rossi são o pai Frank (Troy Kotsur) e belo Leo (Daniel Durant comovente). A trama que se ambientava no campo no filme original francês, aqui é transferido para o mar, mais especificamente para o mundo da pesca. Toda a família é sustentada pelo dinheiro que vem de um barco pesqueiro, subordinado as leis preconceituosas e capitalistas da região.
Ruby desde que nasceu acabou se tornando, impositivamente ou voluntariamente, a intérprete universal da família devido ao inusitado e inconveniente fato de não ter nascido surda. Isso ao mesmo tempo gera um integração familiar muito grande entre ela e seus familiares, mas também uma dependência deles para com ela. E é justamente daí que surge a crítica capacitista e preconceituosa que o filme aborda. Afinal, Ruby está ajudando ou afastando sua família do resto da comunidade? Até que ponto essa maternidade invertida realmente serve como proteção? Quem afinal de contas sai mais perdendo com essa interação simbiótica-parasitista?
A bela metáfora construída com o fato da única integrante ouvinte da família ser apaixonada pelo canto, cuja a voz jamais poderá ser ouvido pelos seus familiares é outro ponto chave do filme. Afinal, como enxergar os valores dos outros quando somos fisicamente ou emocionalmente incapacitados de percebê-los?
O elenco realmente dá um show de interpretação que consegue que o expectador ignore qualquer tipo de narrativa clichê do filme, seja pelo namorico supérfluo de Ruby ou pelo professor de música latino caricato com sobrenome Villa Lobos. Toda personagem feminina realmente precisa de um gatilho amoroso para despertar seus interesses pelo mundo?
Independente de qualquer falha do roteiro, as cenas criadas pela diretora e os artifícios sonoros que constroem a imersão do expectador no mundo dos personagens surdos são ao mesmo tempo emocionantes, corajosos e surpreendentes. No teoricamente clímax de qualquer filme hollywoodiano de colégio, a diretora simplesmente não dá o que o expectador comum tanto anseia e me deixou boquiaberto com os olhos lacrimejando.
O final, apesar de clichê ainda reserva uma bela cena de inclusão através das linguagens de sinais tão bem interpretada pela jovem atriz que transita perfeitamente bem entre a linguagem falada e de sinais, além é claro de comover ou ouvinte com sua bela voz durante as músicas entonadas ou sentidas.
O filme venceu vários prêmios no último Festival de Sundance, inclusive os de melhor filme pelo público e pelo júri. Demorei muito tempo para quebrar minhas barreiras e assistir ao belo filme, talvez devido aos meus próprios preconceitos em relação aos remakes americanos e quebrei a cara feio, ficando com os olhos lacrimejando e o coração acalentado ao final do filme.
Crítica por: Fabio Yamada.
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