"O CAVALEIRO VERDE" - 2021
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Uma belíssima releitura do poema britânico do século XIV que faz parte do Ciclo Arturiano adaptado para o cinema pelo diretor David Lowery de forma grandiosa com uma fotografia esplêndida e cujas camadas de leitura em muito ultrapassam os limites do poema original.
Na história o cavaleiro Gawain (Dev Patel fabuloso) vive sua vida em meio a bebedeiras e visitas a bordéis com sua amante Essel (Alicia Vikander). Na véspera do natal, Gawain participa de uma reunião com seu tio, o Rei (Sean Harris) e sua Rainha (Kate Dickie) na Távola Redonda. Na ocasião ele é convidado a se sentar ao lado do rei, que finalmente deseja conhecer um pouco mais do sobrinho, pedindo para que este conte alguma história de sua vida. Humildemente, Gawain revela ainda não ter nenhuma história ou grande feito para relatar.
Paralelamente, sua mãe a feiticeira pagã Morgause (Sarita Choudhury) lança um estranho feitiço que coincide com a chegada do tal Cavaleiro Verde (Ralph Ineson) que dá nome ao filme. Tanto na lenda, como no filme, o cavaleiro verde (um homem com rosto de tronco de árvore e vestido com armadura negra) propõe ao rei que algum dos cavaleiros aceite participar de seu estranho jogo. Um jogo no qual, naquele dia ele, o cavaleiro verde, se ofereceria sem resistência a ser golpeado por seu rival, mas que em troca o rival teria que procura-lo na floresta no ano seguinte e nos outros cinco anos posteriores na mesma data, para também se oferecer sem resistência a ser golpeado da mesmo forma que ele golpeasse o cavaleiro verde.
Obviamente, que se oferece para golpear o visitante é Gawain afoito por ter histórias para contar sobre sua vida. O cavaleiro deposita seu machado ao chão e sem resistência aceita o golpe com a famosa espada do rei, Excalibur. Gawain decepa a cabeça tronco num golpe único, assombrando a platéia. No entanto, o que nenhum deles esperava, era que o Cavaleiro Verde se erguesse, pegasse sua cabeça ao chão e saísse cavalgando em seu cavalo, sem antes deixar de relembrar o compromisso futuro com Gawain.
A partir disso começa uma saga na qual Gawain tem de aceitar seu compromisso como cavaleiro e caminha através das planícies devastada de sua ilha atrás de seu destino sombrio nas mãos do Cavaleiro Verde. Gawain amadurecerá a cada encontro inusitado na floresta, percebendo que a vida é cheia de caminhos tortuosos e encruzilhadas sem saídas.
A direção de arte, figurino e cenografia são grandiosas em seu realismo pouco visto no cinema. Os enquadramentos e planos de uma beleza ímpar, possibilitando um novo olhar para uma velha história. Se no poema valoriza-se a honra do cavaleiro, aqui estamos diante de um herói falho e humano, um ser de carne e osso, com medos e desejos por vezes nada dignos. Um homem que caminha em direção ao único destino que a vida permite que é a morte, tendo ou não realizado grandes feitos, vividos ou não grandes amores e decepções, causado intrigas e guerras, sussurrado belas mentiras ou bradado grandes verdades. A única porta de saída para nossa existência é o nosso encontro marcado com a natureza infindável da morte, no verde dos topos das árvores ou do musgo sob nossos pés.
Uma fábula sombria e fantasmagórica de ritmo lento e beleza singular que nos faz pensar sobre Memento Mori. Imperdível para aqueles que carregam um melancolia interior e dispensável para aqueles que estão sempre a olhar para frente, sem nunca olhar para dentro.
Crítica: Fabio Yamada
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